A gente, a Natureza, Mariana e o coração

EDITORIAL
Por Marcus Frediani

A história só serve para uma coisa: para aprendermos com os erros do passado, a fim de não os cometermos novamente no futuro. Simples assim.


Noite fria de julho no Recanto Bar, em Carrancas, divido a mesa com alguns velhos e novos amigos para assistir ao show do excelente Nilson Ribeiro, que eu não conhecia, mas hoje me tem na sua lista de fãs de carteirinha e de amigos do Facebook.

A certa altura do show, acompanhado pelo não menos genial Henrique Torres, a voz de Nilson entoa, "Mariana", faixa de seu primeiro álbum, "Ninho das Coisas", uma das mais belas canções que já ouvi na vida, cheia de lirismo e que deixa em mim, toda vez que a ouço, uma saudade que, apesar de não ser minha, meu coração insiste em sentir. Suas duas primeiras estrofes dizem assim: "Um homem velho, De pés cansados, Conta as estrelas pra esquecer, Que pelas ruas de Mariana, A vida passa e ele não vê. / Há uma história que ficou no ar, A dança muda de lugar. Há ruas por se lembrar, Caminhos a se ouvir, Saudade manda voltar, e o coração seguir."


Hoje, seis meses depois de ouvir "Mariana" pela primeira vez, não dá também para eu ouvir a música sem associar meu sentimento de consternação mais profundo à tragédia humana e ambiental que se abateu sobre a cidade que dá nome à canção, e sem minha mente criar metáforas quase involuntárias ligando o fato aos versos da canção, que gostaria de dividir com vocês.

Muitas vezes, movidos pela ganância ou, simplesmente, pelo fato de estarmos sempre em busca de oportunidades para garantir nossa sobrevivência e uma vida melhor para nossas famílias, a gente abre "exceções", achando que o pior nunca vai acontecer. E é aí que envelhecemos, ficamos cansados, contamos estrelas para esquecer e, sobretudo, como diz a música do Nilson, deixamos a vida passar, sem a gente ver. Só que um dia, a conta chega e, como no caso de Mariana, trazendo um preço bem alto.

O equilíbrio entre a atividade humana, a geração de riqueza a ser compartilhada - nem sempre (ou nunca) de maneira equânime - e o meio ambiente é algo extremamente delicado, que não pode dar margem para "afobismos", neologismo simpático entre aspas, que, infelizmente, não é de minha lavra. Por isso, aplaudo todo aquele que, tendo a caneta do poder público na mão, hesita sempre e faz questão de esmiuçar todos os detalhes de uma iniciativa negocial e/ou econômica que, sim, pode trazer inúmeros benefícios para a população, mas pode incorrer em sérios e irreversíveis danos para a vida e para a Natureza, que viveu sem nós por bilhões de anos e que, se um dia a gente sumir do planeta, muito provavelmente vai viver por muitos outros, até o Sol virar uma supernova, depois uma anã branca, engolir a Terra e tudo virar caldo primordial novamente. 

Incrível isso, não é mesmo? À medida que o homo sapiens evoluiu, de cima de nosso avanço tecnológico fomos nos tornando arrogantes e cheios de nós mesmos, esquecendo que, na ordem cósmica, nossa passagem pelo Universo é meramente passageira, um flash de muito menos do que um milissegundo desde o Big-Bang que o criou. Pois é... É duro dizer isso, mas o mundo viveu sem depender e se importar com nós, seres humanos, e será capaz de fazer isso de novo depois que a gente for embora. Ou seja, para a Natureza não importa o quanto a maltratemos, porque ela - que resistiu a sucessivas movimentações vulcânicas, retrações e choques de continentes, impactos de meteoros e de outros corpos celestes e atmosferas de metano -, mais cedo ou mais tarde, vai conseguir se recuperar. Só que nós e toda a vida da Terra estaremos mortos. Pelo menos até que alguns aminoácidos se juntem de maneira muito especial numa poça d'água em algum recanto obscuro do planeta para recriá-la, talvez de uma forma muito diferente daquela que a conhecemos hoje. Em outras palavras - e, novamente, é duro dizer isso -, a Natureza está se lixando para, nós, seres humanos - ela é muito maior do que isso e do que a gente. E é por isso que temos que tratá-la bem, porque, se não fizermos isso, até mesmo sem querer ela pode nos matar.

Bem, usando uma nova metáfora para os versos do Nilson, a saudade do que eram Mariana, Bento Rodrigues e toda a região afetada pelo estouro das barragens da Samarco manda voltar, mas o bom senso e o coração nos ensinam que precisamos seguir em frente, consertando o que der para ser consertado e, sobretudo, nos dando a oportunidade de usar a história a nosso favor para que, no futuro, tragédias como essa não se repitam, custe o que custar. Pense nisso, com carinho, ao longo deste novo ano que se inicia.


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