O Natal da crise

Que ninguém se engane: o final de 2015 para a economia e o comércio não vão ser nada memoráveis.

É, não está fácil para ninguém. As sucessivas quedas no faturamento do comércio varejista têm
influenciado diretamente a percepção dos empreendedores em todo o Brasil. E, infelizmente, influenciado para baixo. Segundo os analistas econômicos, o Natal de 2015 deve ter o pior desempenho para o comércio em pelo menos 12 anos. Desde 2004, as vendas sempre cresceram em relação ao ano anterior. Mas, desta vez, por causa da crise, a expectativa é que as vendas deem pela primeira vez marcha à ré. 

A perspectiva desse recuo atípico do consumo na principal data para o varejo já provoca estragos. A indústria ocupa hoje o menor nível de capacidade de produção das fábricas e o emprego temporário de fim de ano até agora não deslanchou. Mesmo com a proximidade do Natal, é provável a continuidade de promoções e queimas generalizadas de estoques. Contudo, o risco dessas estratégias é reduzir significativamente o capital de giro das empresas e comprometer a saúde financeira das companhias ao longo dos próximos meses.

"O desempenho do Natal deve ser pior do que o resultado do ano acumulado até agosto (queda de 2,4%), medido pelo IBGE, e também do volume de vendas esperado para o ano todo (queda de 2,9%) pela CNC", afirma Fabio Bentes, economista da CNC e responsável pelas projeções. Para chegar a esse número, ele considerou retração de 2,8% no Produto Interno Bruto (PIB) deste ano e inflação de 9,5%. 

Mas o quadro pode piorar se, por causa do reajuste dos combustíveis, a inflação bater na casa de 10% e, com isso, disparar mecanismos de indexação de preços na economia. A projeção da CNC para o Natal é confirmada pelo assessor econômico da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, Victor França. Ele acredita que o desempenho do varejo no segundo semestre será pior do que o primeiro, pois o desemprego deve bater mais forte, afetando o Natal.

Câmbio em alta, vendas em baixa

Na opinião de Bentes, da CNC, a pá de cal nas vendas do Natal foi a alta do câmbio, que no ano acumula variação de quase 50%, e tem impacto sobre a inflação, que já está alta. Cálculos feitos pelo economista para uma cesta de 29 produtos e serviços mais consumidos no Natal, com base na prévia da inflação, o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA-15), acumulada no ano até setembro, mostra que os preços subiram 8% no período. "Se esse ritmo de alta for mantido até dezembro, o preço médio dessa cesta terá a maior variação da série iniciada em 2003, superando o pico de 7,4% da inflação do Natal, registrado em 2008", diz o economista. Nesse cálculo não está incluído o reajuste recente da gasolina de 6% e a perspectiva de uma nova rodada de aumento de preço da energia elétrica.

O desdobramento da alta do câmbio nos preços deve afetar principalmente as vendas de eletroeletrônicos. No televisor, por exemplo, 80% dos componentes são importados. Por isso, entre os oito segmentos avaliados por Bentes, o de eletrodomésticos e móveis deve registrar a maior queda nas vendas em relação ao Natal de 2014. A retração prevista é de 16,3%. Para itens de informática e comunicações, que também têm boa fatia de componentes importados, as projeções não são favoráveis: a retração esperada pela CNC é de 5,5%. Só é esperado crescimento de vendas para os segmentos de perfumaria (2,2%) e de artigos de uso pessoal e doméstico (3,1%), pois são itens de baixo valor unitário, cuja venda não depende de financiamento. 

Empregos temporários: outro setor afetado

As vendas no varejo têm surpreendido negativamente até mesmo as apostas mais pessimistas, por conta de problemas ligados ao consumidor, tais como o aumento do desemprego, o endividamento-monstro, as dificuldades de crédito e inadimplência que não para de crescer. E a queda no volume de vendas do comércio, fruto da diminuição da atividade econômica, afetará também o mercado de contratação de funcionários temporários para o Natal 2015. Segundo um levantamento realizado pela área de Estudos Econômicos da FecomércioMG, 68,7% dos empresários de Belo Horizonte não admitirão esse tipo de mão de obra no fim deste ano – o pior resultado dos últimos três anos.

Em 2014, a perspectiva de contratação era de 33%, enquanto em 2015 a previsão é de 19,1%, uma queda de 13,9 pontos percentuais. Entre as empresas que contrataram mão de obra temporária em 2014, 65,5% não repetirão o feito este ano. “Os últimos resultados no desempenho do comércio instauraram um sentimento de cautela entre os empresários, que estão planejando melhor suas ações e reduzindo custos para manter a competitividade”, afirma Guilherme Almeida, economista da Fecomércio MG. Entre os motivos apontados para a não contratação por tempo determinado estão a falta de confiança na economia (21,4%), a preferência pela qualificação dos efetivos (12,6%) e a falta de recurso (6,9%).

O estudo da Federação compara, também, as tendências de admissão temporária de 2015 em relação a 2014. Segundo a opinião dos entrevistados, 58,3% abrirão a mesma quantidade de vagas do ano anterior, enquanto 23,6% contratarão menos pessoas – uma redução média de 42,9%. Entre as vagas oferecidas pelo comércio varejista nesse período, 60,2% são para vendedor e 30,1% para operador de caixa. “As oportunidades existem, mas muitas vezes o gestor se depara com algumas dificuldades no processo de preenchimento desses postos, como a falta de experiência (30,8%), a falta de profissionalismo (21,5%) e a falta de capacitação dos contratados (20%)”, avalia Almeida.

Apesar do cenário adverso, 75,1% dos entrevistados esperam melhorar a situação financeira de suas empresas quando o balanço do segundo semestre do ano fechar. “O apelo emocional das datas comemorativas do fim de ano, como o Natal, estimulam as compras e reforçam o sentimento de otimismo entre os empresários”, analisa Guilherme, reforçando que algumas estratégias serão adotadas para aumentar o volume de vendas. “Os empresários estão em busca de soluções que mantenham o equilíbrio de suas contas, como a gestão de estoques, que permite a renovação do mix de produtos e a otimização no volume de pedidos, além da realização de promoções, estratégia que será empregada, em outubro, por 73,2% dos entrevistados”.  Com a expectativa de aumento das vendas, 91,3% dos gestores afirmaram que manterão o seu efetivo de funcionários neste mês.

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